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O futebol não tem pausa para a dor. Mas, às vezes, é ela quem faz o jogo parar.
Em 2019, Luis Enrique, então técnico da seleção espanhola, deixou os gramados por um motivo que nenhuma prancheta estava pronta pra explicar. Afastou-se em silêncio. Nada de coletiva, nenhuma entrevista ensaiada. Apenas foi. Quem conhecia de perto sabia: era pai antes de ser treinador. E sua filha, Xana, travava a luta que nenhum adulto deveria enfrentar — e que nenhuma criança jamais mereceria.
Xana tinha apenas 9 anos e um nome curto que carrega doçura. Mas enfrentava o mais cruel dos adversários: um osteossarcoma, câncer raro e agressivo que consome por dentro o que o amor tenta salvar por fora. Enquanto o mundo continuava girando com seus campeonatos, contratos e rankings da FIFA, Luis Enrique deixava tudo de lado para viver os corredores de hospital, os exames, a quimioterapia, os silêncios de um quarto onde o tempo lateja mais devagar.
Ela partiu em agosto daquele ano. E o homem que treinava campeões virou, ele próprio, um sobrevivente. Da dor. Da ausência. Do vazio.
Mas Luis Enrique voltou. Sem discurso inflamado, sem vitimismo, sem maquiagem emocional. Retomou o comando da seleção espanhola com um luto que não se mede e uma serenidade que assusta. Porque há dores que não se superam — se integram. E foi isso que ele fez: não venceu a tristeza, mas aprendeu a treiná-la.
Seus olhos carregavam mais do que esquemas táticos. Carregavam memórias, canções de ninar, diagnósticos e uma ausência que nunca mais deixaria de ser presença.
Voltar ao futebol foi mais do que voltar ao trabalho. Foi um ato de resistência. Uma forma de honrar a menina que, um dia, bateu bola com ele na sala de casa. E se o futebol tem algo de mágico, é justamente por nos lembrar que a vida não termina quando o jogo para. Às vezes, é quando a dor apita que a força realmente começa.
Neste sábado, dez anos depois da primeira Champions com o Barcelona de Messi, Suárez e Neymar — aquela em que comemorou abraçado à filha Xana —, Luis Enrique voltou ao topo da Europa. Campeão da Champions League com o Paris Saint-Germain, comandando um time que atropelou a Inter de Milão por 5 a 0, ele sorriu de novo. Mas um sorriso diferente: mais maduro, mais contido, mais profundo.
Porque ali, ao erguer a taça, ele não levantava apenas um título. Levantava a si mesmo.
A Champions de 2015 entrou para a história do futebol. A de 2025, entrou para a história da alma. Porque nenhuma vitória é maior do que seguir em frente quando a vida tenta te parar.
Essa, sim, foi a maior conquista de Luis Enrique.
Redação Cultura FM / Hudson Alves